AQUILES EMIR
A edição de abril da revista Maranhão Hoje traz como um dos destaques o trabalho que o escritório AD Advogados, formado por Daniel Fontes, Amanda Lima Fontes, Andressa Bonfim e Marlla Mendes, lançou dois estudos – O que você precisa saber sobre contratos empresariais e COVID-19 EBOOK medidas tributárias: um guia jurídico para empresários – com orientações sobre direitos que as pessoas têm neste período de alteração nas relações comerciais e sociais.
Tire algumas dúvidas:
Por conta da pandemia, a empresa pode deixar de cumprir contratos?
- É evidente que a resposta adequada a essa questão depende da análise do caso concreto. É necessário averiguar a natureza do contrato, a natureza da obrigação não cumprida, o que foi pactuado entre as partes para reger uma eventual situação de descumprimento em razão de um fato imprevisível e inevitável, o grau do impacto sofrido pelos contratantes, entre outras circunstâncias. No entanto, de modo geral, seguindo a lógica dos tribunais brasileiros aplicada durante o surto do H1N1, a pandemia pode ser tratada como um evento de caso fortuito ou força maior e, por isso, justificar o descumprimento de um contrato com base na excludente de responsabilidade do artigo 393 do Código Civil. Nesse caso, deve estar bem identificado três pontos:
- Que o fato era impossível de evitar ou impedir;
- Que sua ocorrência não é atribuível a nenhuma das partes contratantes;
- Nexo entre o evento e o descumprimento sem culpa das partes.
A pandemia pode justificar a revisão ou o encerramento de um contrato?
- Sim. Da mesma maneira que acima explicado, há que se ater ao caso concreto. Todavia, o ordenamento jurídico brasileiro reconhece a “teoria da imprevisão”, em caso de onerosidade excessiva. Assim, diante de acontecimentos imprevisíveis e extraordinários, que tornem a execução do contrato excessivamente onerosa para uma das partes, é admitida a revisão e, até mesmo, a extinção do acordo (arts. 478 e 479, Código Civil).
Como a repercussão dos efeitos da Covid-19 é geral, todas as prestações contratuais estão suspensas? A simples existência da pandemia libera o compromisso de cumprir todo e qualquer contrato?
- Não. Não é possível afirmar, de maneira genérica, que a exigibilidade das prestações contratuais está suspensa. Há obrigações que permanecem exigíveis, em razão da ausência de influência efetiva tanto da crise sanitária como das medidas adotadas pelas autoridades na possibilidade de cumprimento da prestação pactuada no contrato específico. O impedimento do adimplemento é medido não pela gravidade e grandiosidade do evento em si, mas pela repercussão concreta deste na esfera particular de cada devedor. Alertamos, inclusive, que, ao menos nesta fase, grande parte das obrigações permanecem exigíveis, devendo ser honradas pelos contratantes.
Se a pandemia for reconhecida como evento extraordinário e imprevisível, quais 04 soluções o direito brasileiro oportuniza às partes contratantes?
- Excluída a possibilidade de uma renegociação extrajudicial (opção que apontamos como mais sábia diante de um acontecimento gravíssimo como o que vivenciamos hoje), a declaração de onerosidade excessiva se dá por meio de via judicial e faculta à parte solicitar a resolução do contrato ou, para evitar a resolução, propor à contraparte, a revisão do contrato para reestabelecer o seu equilíbrio. Além disso, naqueles contratos em que as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá esta pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Alugo uma sala comercial e o governo do estado, por decreto, determinou o fechamento do comércio local, estou sem faturamento e sem utilizar o imóvel, posso deixar de pagar o aluguel?
- A existência da pandemia, como dito, por si só, não autoriza genericamente a uma das partes a não pagar o aluguel. Tanto o locador como o locatário foram atingidos pelo evento grave e imprevisível, logo, o fato não pode ser atribuído apenas a um deles. Nesse sentido, o melhor caminho é a renegociação do contrato. Você deve comunicar por escrito o locador e elencar os motivos pelos quais aquela obrigação se tornou excessivamente onerosa, solicitando, amigavelmente um (i) abatimento no valor, (ii) carência de 3 ou 4 meses para pagamento ou (iii) pagamento parcial. Se a situação for extrema, e a sua empresa não chegar a acordo com o locador, pode pedir a resolução do contrato (extinção), nos termos do artigo 478, do Código Civil (onerosidade excessiva), desocupando o imóvel.
Afinal, sob o ponto de vista da gravidade do “evento Covid-19”, todo contrato pode ser revisto?
- Indiscutivelmente, a pandemia mundial é significativa em nível jurídico. No entanto, não basta existir o fato, é preciso que configure a impossibilidade de cumprimento da obrigaçãoo contratual para se cogitar a liberação do devedor. É necessário, portanto, verificar caso a caso. Isso quer dizer que o Judiciário não aplicará uma fórmula genérica, em que todos, indistintamente, ficarão desobrigados de cumprir os compromissos assumidos por meio contratual. Em sua análise, não será apreciada a magnitude da pandemia em sentido geral, mas se aterá aos seus impactos em determinado contrato específico. A excepcional intervenção do Poder Judiciário nos contratos, com base nas teorias revisionistas, dependerá da análise de cada situação concreta e não abarcará aqueles casos em que o contrato firmado se tornou meramente desinteressante do ponto de vista negocial. De forma resumida, a revisão contratual dependerá de diversos fatores, especialmente da comprovação inequívoca do real impacto das novas circunstâncias sobre a capacidade da parte de cumprir suas obrigações e o momento e o contexto da assunção dessas obrigações, bem como as consequências financeiras e sociais para os pactuantes. Logo, não é pela existência, por si só, da pandemia que sua empresa está desobrigada a cumprir a obrigação contratual. É necessário comprovar faticamente que não existem condições para tal.
Apesar de todo o caos, nossas relações são estabelecidas diariamente. O que devemos observar no momento de firmar novos contratos?
- Nesse caso, a opção mais sensata é inserir uma cláusula que preveja expressamente o caso fortuito e a força maior para que balize as regras de conduta nessas ocasiões de vulnerabilidade. Já contar com essa previsão é essencial para ter uma relação jurídica e comercial mais segura, na qual as partes de antemão já saberão quais os remédios podem ser tomados em caso de inadimplemento. É importante, ainda, que se pactue disposições transitórias, que abordem questões temporariamente e gere também efeitos momentâneos. E que deixe registrado a possibilidade de aditar o contrato depois de restabelecida as condições normais, com inclusão de cláusulas comuns, que regem os acordos em tempos de normalidade. Nos contratos estabelecidos antes, a lógica é muito semelhante, porém a definição do que consiste caso fortuito e força maior deve estar estipulada em um aditivo, que preveja os efeitos de sua ocorrência.
O trabalho pode ser conferido na íntegra aqui.