Dinheiro na cueca, de novo?

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  • João Conrado
  • conrado1959@gmail.com

Desde o início da gestão Bolsonaro, o Brasil parece ter vivido vinte anos em quase dois anos. Já aconteceu de tudo e mais um pouco. Radicalismo extremado, graves infrações constitucionais, quebra de decoro, crises institucionais, frituras de ministros, infringência ao bom senso ambiental, terraplanismo e a pandemia do Coronavírus, para dizer o mínimo das coisas negativas produzidas. Mas também se viu renascer alguma esperança de fazer as necessárias reformas, equilibrar o déficit público, extinguir a corrupção e proporcionar alguma governabilidade a este sofrido país.

Entretanto, a conjunção de todos esses fatores negativos e positivos elencados acima está chocando o ovo de um monstro que pode colocar no lixo toda a expectativa de sair do buraco. Não é culpa do governo, aliás de nenhum governo no mundo todo, os reflexos econômicos da pandemia. Todos os países sofreram com a queda da atividade econômica, desemprego e quebradeira das empresas. Até aí, nada de novo, afinal já se esperavam esses efeitos colaterais. Pode-se até dizer que no Brasil a crise foi amenizada com a liberação de recursos públicos para a parcela mais vulnerável que usou essa grana para manter a economia respirando.

O grande problema é que os beneficiados com esse gesto carinhoso do governo ajudaram a aumentar a popularidade do presidente em plena discussão para a próxima eleição presidencial. Bolsonaro percebeu o poder que alguns trocados têm para mudar a percepção do seu governo e não quer abrir mão de continuar dando essa ajuda não apenas ao povo mais humilde, mas também à sua própria campanha pela renovação do mandato. E aí é que mora o perigo.

Tal ajuda não cabe no orçamento e o governo sabe disso. Já foram propostas diversas manobras para enfiar o programa no orçamento e todas elas ficaram famosas pelo ineditismo das ideias. Já se pensou em tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. Já se pensou em pedalada fiscal, a exemplo do que fez a ex-presidente Dilma e que lhe custou o mandato. Já se pensou em reeditar a famigerada CPMF, rebatizada e travestida para enganar incautos. Já se pensou até mesmo em dar calote nos precatórios, deixando à míngua todos aqueles que têm crédito com o governo. Um espanto.

Não bastassem todos esses aspectos, o governo passou a adotar comportamento mais solícito com os demais poderes, afastando as possibilidades de uma ruptura. No entanto, para conseguir aprovar as suas propostas, se viu obrigado a fazer acordos com grupos políticos notoriamente vinculados ao fisiologismo de terceira categoria que permeia o ambiente político. Tais atitudes vão de encontro a tudo aquilo que Bolsonaro sempre condenou e nunca fez nenhum mistério, o que pode ser facilmente comprovado pelas suas postagens anteriores nas redes sociais. Por essa razão é que não se entende como um presidente que promete abater de vez a corrupção pode ser apoiado por um político pego com dinheiro na cueca. Os seus antigos apoiadores devem estar se perguntando: Bolsonaro mudou? Já não é o mesmo? Para se reeleger, vai aceitar conviver com políticos desse calibre? Vai-se render ao compartilhamento da sua autoridade com chefes de outros poderes que querem decidir questões afetas ao Poder Executivo?

Bolsonaro precisa urgentemente decidir que tipo de governo vai imprimir daqui para frente, já sabendo de antemão que é dessa forma que os livros de história vão registrar sua passagem pela Presidência da República. Suas opções são estreitas porque, não realizando as reformas, terá fôlego financeiro muito curto para conceder as benesses que rendem votos. Se entrar em rota de conflito com o ministro Paulo Guedes, pode perder a última referência às possibilidades de ajustes nas contas públicas. Se fechar com os políticos do Centrão, o seu destino é incerto. Pode se reeleger ou pode ser cassado. É hora de tomar decisões, sem tolerar dinheiro na cueca.

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