ANA LIVES ESTEVES
Neste mês, autoridades dos países do BRICS anunciaram a candidatura oficial de Irã e Argentina para se unirem ao bloco. De acordo com a presidente do grupo, Purnima Anand, países como Egito, Turquia e Arábia Saudita também estão empenhadas em se juntar ao grupo.
Durante a 14ª Cúpula do BRICS, realizada virtualmente entre os dias 23 e 24 de junho, ficou claro que os membros finalmente haviam chegado a um acordo sobre como e quando fazer a tão esperada expansão do grupo.
A declaração final do encontro, que contou com a participação do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, manifesta que a expansão do bloco será realizada mediante “consulta completa e consenso”. A frase indica que os membros originais — Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul — terão poder de veto sobre quais países poderão ser admitidos no bloco.
“As disputas entre os membros do grupo podem ser acirradas em uma eventual expansão dos BRICS”, disse a pós doutoranda da Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME), Isabela Gama, à Sputnik Brasil. “Exemplos disso são a rivalidade entre Índia e China, e mesmo entre Argentina e Brasil, que têm suas diferenças políticas e ambições de se tornarem potências sul-americanas.”
A entrada da Argentina é dada como certa pelos analistas ouvidos pela Sputnik Brasil. Neste ano, o presidente argentino, Alberto Fernández, visitou tanto Moscou quanto Pequim, onde assinou a adesão de seu país ao projeto de infraestrutura chinês Nova Rota da Seda.
“A Nova Rota da Seda é o novo projeto chinês de globalização”, disse o professor de Relações Internacionais e especialista em países do BRICS Diego Pautasso à Sputnik Brasil. “A Nova Rota da Seda deixou de ser um projeto regional há muito tempo.”
“No âmbito da Nova Rota da Seda, a China fará investimentos expressivos na Argentina, essenciais para essa economia, que vem cambaleando há décadas”, considerou o especialista. “Por outro lado, países como China e Rússia, que estão claramente dispostos a exercer seu papel de liderança, têm interesse de estabelecer bases sólidas de penetração em todos os continentes.”
Vácuo regional – Para Isabela Gama, a entrada da Argentina no BRICS também seria um reflexo do vácuo de liderança deixado pelo Brasil no grupo.
“O Brasil abandonou a sua posição tradicional e deixou um vácuo de liderança regional”, disse Gama. “A Argentina está fazendo movimentos bastante assertivos para tentar ocupar esse espaço e ser uma interlocutora importante dos BRICS na América do Sul.”
Apesar dos novos desafios à frente, Gama acredita que o Brasil vai se beneficiar com a expansão do BRICS.
“A expansão do bloco interessa ao Brasil. É interessante para o país se manter dentro de um bloco forte, estrategicamente falando”, acredita a pesquisadora. “O Brasil se beneficia, sim.”
“Brasil e Índia temem que a expansão aumente a influência da China no BRICS e querem discutir a inclusão de possíveis novos membros caso a caso, trazendo parceiros que tenham boas relações com os três países”, disse Karin Costa Vazquez, professora da Escola de Assuntos Internacionais da Universidade O.P. Jindal, na Índia, à Sputnik Brasil.
Segundo ela, existe o “temor de o BRICS ser percebido como um bloco capaz de efetivamente se opor às potências ocidentais e levar EUA e Europa a reagir no sentido de minar a sua influência. Isso não é do interesse do governo Bolsonaro, que almeja cultivar laços especiais com os EUA e ingressar na OCDE.”
Já Pequim não esconde seu entusiasmo pela expansão do grupo, que poderá acelerar projetos como a criação de sistemas de pagamentos alternativos, como o BRICS Pay. Desde 2017, a China inaugurou o programa “BRICS Plus” que incluía países terceiros em iniciativas de cooperação do grupo.
Durante reunião preliminar à 14ª Cúpula dos BRICS, o chanceler chinês, Wang Yi, declarou que “a China se propõe a iniciar o processo de expansão dos BRICS, explorar os critérios e procedimentos para a expansão e gradualmente formar um consenso”.
“Ao meu ver, o interesse da China em promover a expansão do BRICS está mais relacionado com dar novo fôlego ao bloco e injetar vitalidade no desenvolvimento global do que aumentar a sua influência. É claro que a proatividade da China em promover a expansão do BRICS acaba, indiretamente, projetando a sua liderança e influência no bloco e no mundo”, disse Vazquez.
A reunião preparatória contou com a presença de ministros das relações exteriores de países como Arábia Saudita, Argentina, Cazaquistão, Egito, Emirados Árabes Unidos, Indonésia, Nigéria, Senegal e Tailândia.
Nova geopolítica – Para os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, a nova conjuntura geopolítica inaugurada com o conflito ucraniano pode ter acelerado a expansão do BRICS.
“Os EUA promovem o conflito militar para precipitar e acelerar mudanças sistêmicas, tanto geoeconômicas, quanto financeiras”, disse Pautasso.
Durante o mais recente Fórum de Negócios do BRICS, o presidente chinês, Xi Jinping, declarou que a “crise ucraniana é um alerta” para o risco de “alianças militares em expansão buscarem a sua segurança em detrimento da segurança dos demais países”.
“China e Índia sabem que a Rússia está vivendo um conflito com um inimigo fundamental, que é praticamente um interlúdio do que eles podem enfrentar num futuro próximo”, acredita Pautasso.
O fortalecimento da aliança entre as potências asiáticas do BRICS pode ser identificado no aumento das importações de petróleo russo por Índia e China. De março a maio deste ano, a importação indiana de hidrocarbonetos russos aumentou em seis vezes em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto a importação chinesa triplicou, segundo
dados da Rystad Energy.
Sanções Bumerange – As sanções econômicas impostas contra a Rússia também aceleraram os projetos de estabelecimento de sistemas de pagamento autônomos, acredita Pautasso. Em seu discurso no Fórum de Negócios do BRICS, Xi Jinping disse que as sanções impostas agiam como um “bumerangue e uma faca de dois gumes”, ferindo também EUA e União Europeia.
“As sanções deixaram os países cada vez mais conscientes de que depositar dinheiro em bancos dos EUA é mal negócio e que comercializar em moeda local é uma necessidade fundamental do século 21”, argumentou Diego.
Para o especialista, qualquer sistema alternativo de pagamentos que abarque as economias do BRICS e seus potenciais novos membros, como Argentina e Irã, “já nasce global”. Unidas, as economias do BRICS ficariam mais imunes a grandes crises globais, como a desencadeada pelo pacote de sanções impostas contra a Rússia.
Durante a 14ª Cúpula do BRICS, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul anunciaram sua disposição em debater a expansão do bloco. Países como Argentina e Irã já oficializaram suas candidaturas, enquanto Turquia, Arábia Saudita e Egito estudam fazer o mesmo.
(Agência Sputnik)