Há dois anos, torcedores acompanhavam o pequeno time de Chapecó, em Santa Catarina, que subia da série D à A do futebol brasileiro, e também vibraram com a chegada do clube à final da Copa Sul-Americana. Mas em 29 de novembro de 2016, veio a surpresa e junto a tragédia: o avião que levava a equipe para Medellín, na Colômbia, caiu. Apenas seis pessoas sobreviveram. Foram 71 mortos e o episódio marcou para sempre a história do clube.
O uruguaio Luis Ara Hermida, de 38 anos, documentarista e aficionado por esporte, acompanhou a trajetória, ascensão e tragédia da “Chape”. Consternado com o acidente e impressionado com a recuperação do clube, ele decidiu contar a história no cinema.
As gravações de Para Sempre Chape começaram, seis meses após a tragédia, com gravações no Brasil e na Colômbia. O documentário, que estreou em algumas cidades brasileiras, em breve estará disponível no Netflix no Brasil. O filme tem uma hora e 14 minutos de duração, créditos e a maior parte dos relatos em português, além de depoimentos de sobreviventes.
O documentarista conversou com exclusividade com a Agência Brasil, ressaltando que focou na trajetória do clube, que passa pela queda do avião e segue pela reconstrução do time, capaz de dar felicidade e alegria aos torcedores. A seguir, os principais trechos da entrevista de Luis Ara.
Agência Brasil: Como surgiu a ideia de filmar essa história?
Luis Ara Hermida: A história do Chapecoense eu vinha seguindo como qualquer fanático pelo futebol sul-americano. Eu me impressionava que um pequeno clube do Brasil, sem ser muito conhecido, estivesse chegando à final da Copa Sul-Americana. Havia me tornado um torcedor, queria que ganhassem a final. Quando aconteceu a tragédia, eu me afligi e fiquei intrigado com o que podia acontecer: um time em que morreram seus dirigentes e atletas. Quando vi que começaram a receber ajuda de diferentes partes do mundo e de distintos clubes e pessoas, isso me chamou a atenção a capacidade de resiliência, de reconstrução, da força que tiveram para seguir adiante. Percebi que uma das grandes motivações era o povo da cidade. É o único time de Chapecó. Motivo de orgulho em que os meninos projetam seus ídolos. Isso me pareceu muito lindo de contar. Para devolver o sorriso ao povo, eles, da Chape, decidiram continuar.
Agência Brasil: E qual enfoque escolheram para contar a história?
Luis Ara: Decidimos que não iríamos dar enfoque à tragédia. Em primeiro lugar, porque não me interessa e, em segundo lugar, porque todo mundo viu. A respeito das causas do acidente, isso corresponde à Justiça e eu não queria fazer um documentário de investigação. Eu queria fazer um documentário humano. Decidimos que contaríamos a história do time, obviamente o acidente é parte da história e a reconstrução.
Agência Brasil: Em que países o filme foi gravado?
Luis Ara: Para contar a história, fui a Chapecó. A tragédia e a conexão, que isso gera com o clube e que dispara todo esse vínculo da comunidade internacional com Chapecó, foram gravadas em Medellín [Colômbia]. Medellín devolveu a Chapecó uma série de coisas: o primeiro que fizeram foi dar-lhes a taça de campeões. A partir daí, uma série de pessoas começam a repetir esse gesto, de generosidade e solidariedade com Chapecó. A reconstrução do clube foi filmada novamente em Chapecó, com as pessoas de agora, novos funcionários do clube. E na Espanha, em Barcelona, gravamos porque era o momento em que voltava a jogar Alan Ruschel, uma das vítimas que sobreviveu. Era o final deste simbolismo, de voltar a nascer.
Agência Brasil: Qual foi o maior desafio que você enfrentou durante as filmagens
Luis Ara: O mais complexo talvez tenha sido a parte emocional. Uma das situações que mais me comoveram foi conversar com Sirlei Freitas, a viúva de Cléberson Silva, que era o assessor de imprensa do Chapecoense. Ela é mãe de dois filhos, que têm a idade das minhas filhas, e eu não pude evitar, ao longo de toda a entrevista, de me colocar em seu lugar e também imaginar a minha casa sem a minha presença. Isso me fez ir a um lugar que me gerou muita sensibilidade. Uma mulher muito jovem e me emocionou ver como ela seguiu em frente, como lembrava de seu marido, como ensinava seus filhos.
Agência Brasil: Como vê o Uruguai no contexto internacional de produções cinematográficas?
Luis Ara: Acho que a produção audiovisual não escapa à generalidade do que define qualquer indústria uruguaia. Qualquer coisa que se queira fazer no Uruguai, em escala mundial, tem um problema que é o mercado muito pequeno. É como se eu quisesse abrir uma fábrica de carros de luxo aqui no Uruguai. Venderia 100 carros por ano. Agora, se tenho livre comércio com Brasil e Argentina, já tenho 200 milhões de consumidores e em vez de vender 100 carros vendo 5 mil. No mundo do cinema é exatamente igual. Se eu tenho que fazer um filme de grande produção para 3 milhões de pessoas, mesmo que seja o filme com mais êxito no ano, nunca vou recuperar o investimento. Aí é que entram os acordos de colaboração, que permitem que um filme possa ser coproduzido entre países. Mas acho que o Uruguai tem uma incrível capacidade de produzir, muitos talentos, recursos materiais muito bons, tem tudo. O que falta é poder produzir à escala mundial. Eu sou uruguaio e fiz um filme brasileiro. Em Para Sempre Chape até os créditos estão em português. Ainda que seja um filme uruguaio, está apresentado como um filme brasileiro.
Agência Brasil: O filme estreou no Brasil este mês. Como será a distribuição?
Luis Ara: Estreou no Brasil pois eu achava simbolicamente importante. Os documentários não são os filmes que rendem mais bilheteria, mas eu achava importante dar a oportunidade do filme estar nos cinemas no Brasil. Estreou em cinema também na Colômbia. Ainda não estreou no Netflix no Brasil, pois ainda está em cartaz, mas em breve estará disponível na plataforma.