Definitivamente, o Brasil não é para amadores

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Todos sabem que o mercado de capitais é de alta volatilidade

  • JOÃO CONRADO
  • conrado1959@gmail.com

A frase é de autoria de Tom Jobim e se presta bem aos acontecimentos econômicos que, mais uma vez, assombram a sociedade. A bola da vez é a Lojas Americanas, com direito a efeito dominó, com a queda da Marisa e da Livraria Cultura. Todas essas empresas têm em comum o endividamento para viabilizar o capital de giro, quase sempre escondido por trás de alguma manobra contábil que passou despercebida por auditores, conselho fiscal, consultores e um mundo de gente que deveria botar a boca no trombone e não botou.

Há quem imagine que o estrago só afeta os investidores e especuladores financeiros. Ledo engano. O suado dinheirinho de milhões de brasileiros é aplicado em papeis dessas empresas por meio de fundos de renda fixa e planos de pensão e aposentadoria. Resultado disso tudo é um enorme atraso na construção de um montante que iria garantir a tranquilidade na terceira idade. Pior de tudo é saber que esses milhões de brasileiros estão desamparados, porque não há nenhum xerife no mercado que garanta os resultados prometidos ou mesmo a liquidez. É muito possível que tudo despareça, vire pó no jargão do mercado.

Órgãos reguladores até existem. O mercado de capitais é fortemente regulado pela Comissão de Valores Mobiliários, que dita normas e regras para funcionamento das companhias que operam com papeis nas bolsas de valores. Em paralelo, o Conselho Federal de Contabilidade normatiza o registro e a evidenciação contábil e auditoria, com as devidas regulações da Receita Federal, Banco Central, Superintendência de Seguros Privados, entre outros.

Além dessa força regulatória, o mercado é diuturnamente acompanhado por corretoras, analistas, consultores e um sem-número de especialistas que emitem pareceres, sugerem carteiras, avaliam performance e tecem exaustivos comentários sobre a saúde das empresas. Nenhum desses agentes foi capaz de identificar o buraco em que esses varejistas estavam se enfiando.

Todo mundo sabe que o mercado de capitais é de alta volatilidade, mas o que se espera é que os erros e fraudes não sejam os principais elementos a determinar prejuízos desse naipe. Parece óbvio que crises econômicas, como a decorrente do Covid-19, afetem o mercado, mas isso acontece de forma generalizada. Não se trata de nenhuma ação localizada sobre a qual pairam dúvidas, como é o caso das Lojas Americanas. Até o presente momento, ainda não se sabe ao certo qual foi a causa principal do problema e se os controladores do capital contribuíram para que tudo isso acontecesse.

A grande questão é procurar descobrir meios de evitar que coisas desse tipo voltem a acontecer, lesando a economia de milhões de investidores, entre eles pessoas de baixa renda que nem sequer escolheram onde seus recursos seriam aplicados. A pergunta que não quer calar é saber o que deve ser feito para que os órgãos reguladores possam atuar de forma preventiva, cortando as asas de certos gestores antes mesmo que eles possam perpetuar o rosário de operações mal conduzidas que acabam se revertendo em problemas para muita gente.

Talvez não seja uma tarefa fácil, dado que o investidor é atraído pelo canto da sereia do lucro fácil e acaba concentrando aplicações em quem promete maior retorno, abrindo a guarda para o risco. No entanto, é difícil compreender como uma empresa anuncia um desacerto contábil maior que seu próprio patrimônio líquido dez dias após um novo presidente assumir.

Que ferramentas esse presidente tinha para descobrir o rombo em tão pouco tempo, quando todos aqueles que analisaram e esmiunçaram os números da empresa não conseguiram sequer perceber? É preciso respostas imediatas a essas questões com punição de tantos quanto deram causa ao problema e, mais que isso, é preciso descobrir freios e travas para que esse tipo de ocorrência não volte a se repetir. Se tudo isso mais uma vez ficar sem respostas, o Brasil corre o risco de ser um país difícil não só para amadores, mas para profissionais também.

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