
Estamos flertando com a inflação de dois dígitos e possivelmente desengavetando os mecanismos de indexação de preços
- JOÃO CONRADO
- conrado1959@gmail.com
Ao que parece, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia não vai ser rápida como se imaginou e o custo desse imbróglio deve se refletir no mundo inteiro, em todas as empresas e famílias. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE prevê queda de mais de 1% no PIB mundial e em uma inflação global em torno de 2,5%. Como o balançar das asas de uma borboleta nos países mais ricos provoca vendavais nos mais pobres, os indicadores de inflação e queda no PIB serão mais assustadores em economias menos afortunadas.
Interessante é que, antes da guerra começar, as previsões eram de elevado otimismo. A própria OCDE apostava em crescimento econômico mundial de 4,5% em 2022 e 3,2% em 2023, levando em conta a retomada do pleno emprego, do fim das restrições impostas pela pandemia e do livre fluxo de mercadorias e pessoas. A continuidade do conflito não só jogou por terra essas projeções, como colocou os países europeus em situação de risco econômico diante da enorme dependência do gás russo.
No caso brasileiro, não deu tempo nem mesmo de experimentar um pequeno alento econômico pelo arrefecimento das medidas sanitárias. A crise do desabastecimento ainda pressionava preços quando as primeiras bombas estouraram em solo ucraniano e fizeram disparar o preço do petróleo e de diversas outras commodities. Para uma economia que já vinha desequilibrada, gastando mais do que podia e com moeda desvalorizada, os preços dispararam e determinaram ajustes profundos na taxa básica de juros. Como era previsível, a moeda se fortaleceu com o ingresso de capitais no país, mas os preços não recuaram, fazendo com que diferentes categorias de trabalhadores iniciassem movimentos de reajuste salarial.
Recuamos no tempo, voltando a conviver com as greves que paralisavam a economia. Estamos flertando com a inflação de dois dígitos e possivelmente desengavetando os mecanismos de indexação de preços, que fatalmente pode nos levar para a terrível hiperinflação de três décadas atrás. Você pode até pensar que essa é uma previsão exagerada, mas tenha certeza de que todos os elementos estão aí e se não forem tomadas medidas imediatas, o caos vai estar instalado em pouco tempo.
Há poucos dias vimos cenas da década de 1970. Filas de carros em postos de gasolina para abastecimento antes de um anunciado aumento no preço dos combustíveis. Em paralelo, vimos postos fechando para só reabrir no dia seguinte, quando o novo preço reajustado já estava valendo. Há poucos dias os funcionários do Banco Central entraram em greve deixando a principal autoridade monetária no escuro e a economia à deriva. Dados importantíssimos e necessários para a tomada de decisão não foram divulgados, causando prejuízos incalculáveis para as empresas. Se isso já não é o prenúncio do caos, o que mais precisa acontecer?
Se você, leitor, acreditar que as nossas autoridades estão queimando as pestanas para resolver esses problemas, você precisar acordar. O assunto que ocupa cem por cento do tempo dos nossos políticos e autoridades é a eleição de novembro. Ninguém mexe uma palha que não seja em prol de uma vantagem qualquer para o candidato da esquerda, da direita ou de uma improvável candidatura de terceira via, mais ao centro. Nesse espectro, estão todos os poderes constituídos, todas as autarquias, todas as entidades que têm alguma condição de interferir para o bem ou para o mal na vida do cidadão.
Se for divulgada alguma medida, qualquer liberação de recursos, a aprovação de alguma lei ou o julgamento de algum processo relevante, tenha certeza de que a motivação será para trazer vantagens ou desvantagens para as candidaturas, nunca para o bem deste país. Tome-se como exemplo a suposta intervenção nos preços dos combustíveis, que provocou a queda do presidente da Petrobras e a dificuldade de indicar novos dirigentes.
De um lado, o governo (cujo presidente é candidato à reeleição) querendo manter o preço dos combustíveis baixos, alegando que a Petrobrás tem uma função social, mas sabendo que tal medida atrairá votos, e de outro, a oposição abertamente reclamando da medida, pouco importando que a população sofra com o reajuste, desde que isso não se reflita em votos para o presidente.
A única esperança que ainda existe é de que a iniciativa privada assuma o necessário protagonismo e faça esse país gerar riqueza suficiente para reequilibrar as suas contas. Em vez de ficar esperando ajuda do governo, a hora é de aproveitar a escassez mundial provocada pela pandemia e pela guerra e ocupar alguma fatia desse mercado. Fortalecendo a economia, teremos muito mais chances de não retornar ao tempo do overnight.
