
Nesta semana, o novo presidente dos EUA, Donald Trump, imprimiu o tom de seu futuro relacionamento com países da América Latina e com o Brasil. Durante entrevista coletiva, o recém-empossado Trump declarou que as relações com a região são “excelentes”.
“Eles precisam de nós, muito mais do que nós precisamos deles. Não precisamos deles. Eles precisam de nós. Todo mundo precisa de nós”, declarou o mandatário dos EUA em seu primeiro dia de governo.
“Às vezes, Trump fala coisas que não soam bem, mas, no fundo, elas são razoavelmente verdades. E essa é uma delas”, disse a professora Livre Docente de Política Internacional da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Cristina Soreanu Pecequilo, à Sputnik Brasil.

“Parte da elite brasileira acredita que o Brasil tem importância central para os EUA, e que um alinhamento brasileiro aos EUA traria inúmeros efeitos positivos. Mas é claro que os EUA têm um sistema de relações internacionais […] muito mais ampliado do que o brasileiro”, declarou Pecequilo. “Essa afirmação [de Trump] soa como uma ofensa para parte da sociedade brasileira, quando não deveria. Ele não falou nada que não seja realidade.”
De acordo com a professora adjunta da Faculdade de Economia e do programa de pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Lia Valls Pereira, os EUA detêm capacidade assimétrica de influência no comércio brasileiro.
“A grande diferença entre os EUA e o Brasil é a capacidade de retaliação. Caso o Brasil seja alvo de tarifas impostas pelo governo Trump, nós não temos nenhuma capacidade de retaliar os norte-americanos”, disse Valls Pereira à Sputnik Brasil. “Os produtos que os EUA adquirem do Brasil podem ser adquiridos em outros mercados.”
Por outro lado, o Brasil conseguiria sobreviver a uma retirada dos EUA de sua economia, acredita Pecequilo. Apesar do alto custo de uma saída norte-americana, há diversificação suficiente na pauta comercial brasileira para que outros mercados suprissem essa ausência.
Pauta Norte-Sul – Apesar da assimetria, as relações comerciais entre Brasil e EUA já não podem ser classificadas como uma típica relação Norte-Sul, acredita Valls Pereira. As relações comerciais Norte-Sul são caracterizadas pela exportação de bens primários por países do Sul, que importam mercadorias de alto valor agregado produzidas pelo Norte.
A maior parte das exportações brasileiras para os EUA são oriundas da indústria de transformação. De acordo com os dados de 2024 da Secretaria de Comércio Exterior do Brasil, o setor industrial representou 78,3% do total exportado para os EUA.
“Apesar do bom desempenho da indústria de transformação [no comércio com os EUA], temos que dividir essa pauta em commodities e não commodities”, notou Valls Pereira. “O motor das exportações brasileiras para os EUA são, na realidade, as commodities que fazem parte da indústria de transformação.”
De fato, dentre os produtos mais exportados pelo Brasil para os EUA estão óleo combustível de petróleo, sucos, carne bovina e celulose, todos computados na categoria de produtos industriais.
Segundo ela, os produtos de maior valor agregado da pauta brasileira, como máquinas e equipamentos, são exportados no âmbito do comércio intraindústria, isto é, são trocas realizadas dentro de uma mesma cadeia produtiva ou mesmo dentro de uma mesma empresa, considerando a forte presença de multinacionais norte-americanas no Brasil.
Nesse contexto, a professora Pecequilo acredita que o padrão Norte-Sul do comércio entre Brasil e EUA persiste, apesar do maior índice de diversificação.

“Trump usa isso como mecanismo de pressão e para responder às demandas de lobbies protecionistas dentro dos EUA”, considerou Valls Pereira. “Os setores brasileiros que podem ser afetados [por pressões tarifárias] para atender a demandas internas dos EUA seriam siderurgia, carnes e sucos.
Por outro lado, Trump terá poucos incentivos para taxar produtos brasileiros, já que os EUA acumulam superávits comerciais com o Brasil. Em 2024, o superávit norte-americano foi de US$ 253,3 milhões (cerca de R$ 1,5 bilhão).
“Os EUA têm superávit em suas relações com o Brasil. São um dos poucos países que são superavitários com a gente. E o Brasil normalmente fica entre os dez países com os quais os EUA têm maior superávit comercial“, notou Valls Pereira.
Para ela, a pressão norte-americana sob Trump poderá incidir não na pauta comercial, mas sim na agenda de investimentos. Após se consolidar como principal parceiro comercial do Brasil, a China aumenta a sua participação em investimentos diretos no país.
“O investimento estrangeiro no Brasil ainda é, basicamente, europeu e norte-americano. As multinacionais norte-americanas obtêm muitos recursos com as remessas de lucros oriundas do Brasil. Mas os chineses estão entrando, ainda que aos poucos”, disse Valls Pereira. “E os EUA podem reagir nessa área, para deter o avanço chinês, como fizeram na questão da Internet 5G.”
“O Brasil se preparou mal para uma potencial vitória de Trump, apostando na continuidade da linha democrata Biden-Harris. Agora, o Brasil não deve esperar que os EUA compareçam à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 [a ser celebrada em novembro em Belém do Pará]. Tampouco o Brasil deve esperar avanço em pautas multilaterais que a diplomacia brasileira promove”, alertou Pecequilo. “A relação, ela vai ter um padrão muito mais pragmático.”