Técnica apresentou viabilidade econômica mesmo com o investimento em uma estufa
A tecnologia bioflocos (conhecida também por BFT) é capaz de superar importantes problemas da aquicultura moderna como o consumo de água, o uso da terra e os custos com a alimentação dos peixes. Foi o que mostrou um estudo conduzido em Foz do Iguaçu (PR) por Gabriel Bezerra, em sua dissertação de mestrado pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) em parceria com a Itaipu Binacional e a Embrapa Meio Ambiente (SP). O trabalho foi orientado pelo pesquisador da Embrapa Hamilton Hisano.
A produção de peixes em bioflocos é um sistema intensivo baseado no conceito de sustentabilidade. Nele, quase não é necessário fazer a renovação da água. Pequenas partículas orgânicas colonizadas por diversas bactérias e outros microrganismos se desenvolvem naturalmente no sistema de produção. Parte dessas bactérias assimila os compostos nitrogenados, permitindo a ciclagem de nutrientes e a reutilização da água do sistema por diversos ciclos. Com isso, a técnica ainda reduz os custos com alimentação, uma vez que a biomassa microbiana resultante é riquíssima em nutrientes e os peixes se servem dela como complemento alimentar.
A pesquisa trabalhou com juvenis de tilápia (Oreochromis niloticus), a espécie de peixe mais produzida no Brasil por apresentar diversas vantagens como rusticidade, rápido crescimento e qualidade da carne. Sua produção no sistema bioflocos está em expansão, pois possibilita o aumento da produção de proteína animal de alta qualidade e de forma mais sustentável. Para projetar esse tipo de sistema é necessário realizar o levantamento de diversos custos, e a perspectiva de retorno pode auxiliar na tomada de decisões. No entanto, ainda faltavam informações sobre a análise econômica e financeira do sistema bioflocos e comparações com o modelo tradicional em viveiros no Brasil, e o trabalho de Bezerra procurou atender parte dessa demanda.
A pesquisa – Para esse estudo, foram utilizados dados do ciclo de produção de juvenis de tilápia de uma unidade produtiva com estufa, sistema de aeração constante, decantação e gerador de energia. Conforme Bezerra, o item de maior custo é a estufa. Por outro lado, em regiões que apresentam temperatura média anual acima de 25ºC não há necessidade desse equipamento, o que reduz significativamente o investimento inicial, custo de produção e manutenção do sistema.
Outro custo operacional significativo foi com a aquisição dos alevinos, seguido das despesas com a ração. A atividade provou ser capaz de perpetuar a curto prazo, pois pagou todos os seus custos operacionais e apresentou uma margem bruta positiva. O lucro positivo indica uma boa alternativa de investimento, uma vez que a receita gerada cobriu todos os custos e ainda remunerou o capital médio empatado.
O pós-graduando acredita que os resultados das análises serviram para “desmistificar” a ideia de que o alto custo do investimento inicial do sistema bioflocos não é competitivo. Inclusive, o custo de produção de juvenis no bioflocos e dos criados em viveiros foi semelhante. Isso ocorreu porque foi possível aumentar a produtividade e o número de ciclos de produção no sistema bioflocos. “Esses indicadores se tornam mais expressivos com o aumento da estrutura física e da mão de obra”, explica Bezerra. “No entanto, por se tratar de um sistema tecnificado, é fundamental o acompanhamento da implementação e manutenção do sistema por profissionais qualificados”, pondera.
A taxa de sobrevivência dos animais foi um fator com forte impacto, uma vez que no novo sistema a sobrevivência dos peixes depende principalmente da aeração constante provida por equipamentos elétricos. De acordo com Bezerra, o ciclo de produção considerado no estudo foi durante o período de inverno, de julho a agosto, o que proporciona crescimento reduzido dos peixes em função das menores temperaturas que diminuem o metabolismo e consumo de ração. Em temperaturas mais quentes (primavera e verão), os animais atingiriam o mesmo peso em tempo menor e os resultados econômicos seriam ainda mais positivos.
De acordo com Hisano, os resultados das análises econômicas e financeiras, além de algumas simulações de cenários da dissertação, estão sendo cruciais para atualização e redirecionamento de atividades do projeto em curso em parceria com a Itaipu Binacional para o desenvolvimento de protocolos de produção para tilápia e pacu em sistema BFT.
Vantagens – Hisano explica que uma das principais vantagens da produção de juvenis de tilápia em sistema bioflocos é a redução do uso da água e da área de produção. Além disso, com o aproveitamento da biomassa microbiana é possível reduzir a proteína da dieta e, consequentemente, o custo de produção. Essa economia é relevante, pois a alimentação é um dos itens que mais pesa nesse tipo de criação.
Por outro lado, caso o produtor também trabalhe com reprodução de tilápias, poderia suprir a demanda de formas jovens e reduzir as despesas, uma vez que o custo com a aquisição de alevinos foi o mais significativo nesse estudo. Dessa forma, existe potencial para aprimoramento da produtividade, redução do ciclo e de custos de produção de juvenis. Ou seja, os índices econômicos podem melhorar ainda mais.
A produção de juvenis de tilápia em viveiros pode gerar um consumo entre 25 mil e 35 mil litros de água por quilograma produzido, de acordo com a literatura científica. Por sua vez, a produção de tilápia em sistema bioflocos demanda entre 50 e 100 litros por quilo de carne, tornando a atividade interessante também em locais com limitações no uso da água.
Outro ponto a ressaltar é a necessidade de menor área para produção em bioflocos, quando comparada ao modelo tradicional em viveiros, em função da maior produtividade. Além disso, permite que seja instalado em diferentes módulos, o que possibilita a fácil instalação e maior proximidade dos centros urbanos.
A produção nesse sistema reduz a poluição ambiental causada pelo despejo de efluentes, como alternativa para alcançar sustentabilidade na produção de organismos aquáticos, pois as bactérias do sistema convertem os resíduos de peixes em biomassa microbiana melhorando a qualidade da água e reduzindo seu uso. Além disso, pode resolver o problema do elevado custo da terra, pois sua produção intensiva necessita de menos espaço, podendo ser uma alternativa ecologicamente positiva para a produção de juvenis de tilápia.
Outra característica importante do sistema é a biossegurança, pois minimiza a entrada e a saída de possíveis agentes patogênicos dificultando o escape acidental dos animais, evitando possíveis danos ao meio ambiente. Estudos recentes indicam que o sistema bioflocos também pode ser utilizado com o intuito de aumentar a resistência dos peixes a doenças.
Outra vantagem é o aumento na produtividade com mínima ou nenhuma renovação de água. Esse sistema se enquadra na “revolução azul” da aquicultura, pois os nutrientes são continuamente reciclados no sistema e utiliza-se uma troca mínima ou zero de água. Além disso, possibilita uma alta produção de peixes e camarões em pequenas áreas e disponibiliza alimento natural rico em proteínas e lipídios disponíveis in situ 24 horas por dia.
Por outro lado, a produção de tilápia em diferentes estágios de vida nesse sistema demonstra resultados positivos promovendo aumento da produção de larvas pelos reprodutores, sobrevivência e resistência a enfermidades. A utilização dos bioflocos por peixes ou camarões, como alimento complementar, tem demonstrado melhorias na taxa de crescimento, conversão alimentar e redução dos custos associados na alimentação. A ingestão de bioflocos também aumenta o desempenho produtivo e a imunidade da tilápia e de outras espécies que podem ser produzidas nesse sistema.
Em comparação aos sistemas convencionais, oferece uma redução de 30% nos custos com tratamento de água reduzindo sua demanda utilizada na aquicultura. Também contribui para a redução de custos com a alimentação dos animais, visto que a biomassa microbiana pode possuir mais de 40% de proteína, podendo representar uma fonte complementar desse nutriente e também de alguns aminoácidos, ácidos graxos, minerais e vitaminas.
Os especialistas acreditam que a produção de juvenis de tilápia em sistema bioflocos pode vir a se tornar uma oportunidade de empreendimento e um novo nicho de mercado, uma vez que a piscicultura brasileira tem muito a crescer e sistemas como esse podem impulsionar o desenvolvimento da atividade.