Câmara de São Paulo questiona decisão do Tribunal de Justiça
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgará, em data ainda não definida, o Recurso Extraordinário (RE) 1054110 que discute o transporte individual remunerado de passageiros por motoristas particulares cadastrados em aplicativos. A repercussão geral da matéria – procedimento que a habilita a julgamento pelos ministros em sessão plenária – foi reconhecida em deliberação do Plenário Virtual do STF.
No caso em questão, que servirá de paradigma, a Câmara Municipal de São Paulo questiona decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que declarou a inconstitucionalidade da Lei Municipal 16.279/2015, que proibiu o transporte nesta modalidade na cidade de São Paulo.
Segundo entendimento do TJ-SP, embora os municípios tenham competência para disciplinar o transporte urbano local, tal competência legislativa é condicionada pelos princípios e regras constitucionais. Assim, com base nessas premissas, o tribunal declarou a inconstitucionalidade material da lei impugnada por entender que o ato normativo proibiu uma atividade privada em afronta aos princípios da livre iniciativa e da razoabilidade.
No recurso ao STF, a Câmara Municipal pede a reforma da decisão sob a alegação de que o serviço de transporte individual de passageiros tem natureza pública e pressupõe, por isso, autorização do Poder Público. Afirma que a atividade empreendida sem a chancela municipal equivaleria a “táxi clandestino”, gerando “injusta competição”.
Relator do recurso, o ministro Luís Roberto Barroso esclareceu que a análise a ser feita pelo STF consistirá, exclusivamente, em definir se a proibição ao transporte individual remunerado de passageiros se conforma ao princípio da livre iniciativa previsto no artigo 170, caput, da Constituição Federal.
Segundo observou o relator, o princípio assegura, como regra geral, que as pessoas sejam livres para iniciar, organizar e gerir uma atividade econômica, mas não é absoluto. Isso porque a ordem econômica constitucional é igualmente orientada pelos princípios da proteção do consumidor e da livre concorrência, e esses princípios legitimam intervenções estatais na economia para correção de falhas de mercado, seja para defesa dos direitos do consumidor, seja para preservar condições de igualdade de concorrência.
“Sob a ótica desses princípios, o estabelecimento de restrições à atividade de motoristas particulares cadastrados em aplicativos como Uber e Cabify poderia se justificar para afastar a alegada concorrência desleal com taxistas, ou mesmo para imposição de padrão de segurança ao serviço. O exame da constitucionalidade da proibição do serviço de transporte individual remunerado de passageiros, a depender, portanto, da intensidade que se confira, de um lado, ao princípio da livre iniciativa e, de outro lado, aos princípios de proteção ao consumidor e de repressão à concorrência abusiva, evidenciam a relevância jurídica da controvérsia suscitada”, afirmou o ministro Barroso, sem antecipar qualquer exame de mérito. O relator lembrou que a ausência de uniformização quanto à juridicidade do transporte por meio desses aplicativos impulsionou sucessivos protestos envolvendo taxistas, marcados, inclusive, por atos de violência e de desordem urbana.
“Esse cenário de insegurança jurídica tem produzido verdadeiro caos social, político e econômico. Assim sendo, a identificação de solução aos questionamentos relacionados à constitucionalidade do transporte individual remunerado de passageiros por motorista particular, intermediado por aplicativos, é matéria de evidente repercussão geral, sob todos os pontos de vista (econômico, político, social e jurídico)”, salientou. Barroso explicou que, embora o Código de Processo Civil (artigo 1.035, inciso III, parágrafo 3º) presuma a repercussão geral de recurso que impugnar acórdão que tenha declarado a inconstitucionalidade de lei federal (e não municipal, como no caso dos autos), o fato de haver por todo o país diversas leis que proíbem ou regulamentam o transporte individual remunerado de passageiros intermediado por aplicativos confere abrangência nacional à controvérsia, reforçando a necessidade de o STF uniformizar o tema.